Empatia

Porque é tão importante refletir sobre empatia agora?

Esse não é, exatamente um tempo de guerra, mas estamos muito longe, infelizmente, de dias de paz. Sobra violência no mundo inteiro. E onde sobra violência certamente falta empatia.

Franz de Wall, uma das grandes referências em psicologia evolucionista, lançou o seguinte desafio à humanidade: estender a estranhos a empatia que sentimos pela família e pelos amigos. Quando a nossa sensibilidade empática atingir o menino que dorme quase invisível num amontoado de panos sujos, em frente à Universidade, e nos “ameaça” com os seus malabarismos nos sinais, este certamente será um mundo melhor.

Neste momento, atravessamos uma crise civilizatória que rompe com a nossa origem, recontada por Leonardo Boff , com muita delicadeza numa antiga fábula de Higino.

A FÁBULA-MITO DO CUIDADO
(Fábula de Higino)
Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada.
Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da Terra. Originou-se então uma discussão generalizada. De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa:

Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte desta criatura.
Você, Terra, deu-lhe o corpo. Receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer.
Mas como Você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver.
E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil.


 

O que acontece, atualmente, nas grandes cidades, é que nos sentimos constantemente ameaçados. Os outros, tão necessários para a nossa sobrevivência enquanto espécie, tornaram-se um perigo potencial. O próximo nos parece agora muito mais diferente que semelhante. E quanto menos parecidos, mais intolerantes, menos cuidadosos. Cuidamos menos dos outros, sem perceber que, desta maneira, nos descuidamos também.

Hoje, graças aos avanços da tecnologia e da ciência, os recursos essenciais por que tanto competimos e que por muito tempo justificaram a violência, já não são mais tão escassos. O que parece realmente estar em falta é empatia, tolerância e cuidado. A falta de compaixão é o risco mais eminente, no momento, muito mais ameaçador à sobrevivência da espécie que qualquer outra carência.

Quando as conquistas tecnológicas e científicas conspiram pela preservação da vida e a maior ameaça ao homem é o homem, o que há de fato é um imenso descompasso entre cognição e afeto. É preciso investir na educação emocional das crianças com o empenho que se luta pela preservação da espécie. Diante disto, nos propusemos a desenvolver um programa de treinamento, com o objetivo não de ensinar empatia, que já se encontra inscrita em nossa herança filogenética, mas de ajudar as crianças a reencontrá-la, como uma reconciliação com as nossas origens. Quem não sabe de onde veio sabe menos ainda para onde vai. Precisamos contar às crianças que somos filhos do cuidado. Quem sabe a próxima geração não descobre, debaixo dos trapos e atrás dos limões nos sinais, um menino? Melhor ainda, se tudo der certo, quem sabe eles nem estejam mais lá?